
O atual contexto mundial da pandemia não deixa dúvida sobre como a influência do COVID-19 aprofunda e torna mais evidentes as desigualdades sociais em escala mundial. As discussões no Fórum Econômico Mundial (FEM), de Davos, na Suíça, no ano passado, apontaram que “mais do que nunca é preciso combater as desigualdades sociais, que cresceram como nunca aceleradas pelas novas tecnologias da chamada Revolução 4.0”.
No meio desse cenário de pandemia, e apesar desse crescimento da desigualdade social, os líderes mundiais e os órgãos responsáveis pelo cuidado com a saúde enfatizam a importância de campanhas para conter o pico da doença (COVID-19) por meio de amplas medidas higiênicas, de confinamento e de distanciamento social dentre outras ações. Pois bem, a questão que se coloca para iniciarmos a reflexão, é evidenciar que esse planejamento de ações preventivas e de combate à doença desconsidera setores da sociedade historicamente excluídos. A realidade parece mostrar uma vez mais que, neste momento complicado da humanidade, alguns segmentos da sociedade continuam sendo invisibilizados. A esse respeito, o professor Alberto Ares Mateos aponta como setores mais expostos os seguintes: pessoas sem lar, campos de refugiados, pessoas sozinhas e isoladas, centros de detenção e deportação, mulheres cuidadoras de crianças e idosos, pessoas doentes, famílias transnacionais, pessoas em trânsito nos aeroportos e nas fronteiras, dentre outras.
Atualmente, uma das medidas tomadas pela ampla maioria das e dos presidentes ao redor do mundo, têm sido fechar as fronteiras e os aeroportos evitando o fluxo migratório por um lado, e limitando ou proibindo a possibilidade de que profissionais e turistas de países de outras nacionalidades possam entrar em território nacional.
Paradoxalmente, observa-se no Brasil pronunciamentos contraditórios advindos do presidente e de governadores/as e prefeitos/as em relação aos principais cuidados que a população deve seguir para enfrentar o COVID-19. Até hoje (17/4) o presidente insiste em diminuir a gravidade da pandemia, resistindo a tomar medidas urgentes que minimizem o avanço da doença. Há, no entanto, por esse motivo, uma mobilização de instituições que criam formas autônomas de atenção e apoio para a população vulnerável, atuando de forma setorizada e limitada pelas suas possibilidades. As mesmas, encabeçadas por setores da sociedade civil, empresas e ONGs, que se organizam numa tentativa de atender algumas necessidades básicas apremiantes de grupos de pessoas mais vulneráveis que, diante fenômenos extremos, desaparecem lenta e/ou rapidamente todos os dias no mundo. Muito embora reconheçamos a importância e o valor do alcance destes esforços, não é menos importante e necessária a atuação de um Estado eficiente, capaz de desenvolver e aplicar políticas voltadas para o respeito à cidadania e suas especificidades, enfatizando aqueles setores precariamente assistidos, quando não totalmente ignorados.
Por outro lado, se imaginarmos um campo de imigrantes e refugiados, não será difícil reconhecer que são centros amontoados de crianças, adolescentes, adultos e idosos. Ou, então, um emaranhado dividido através de tendas à intempérie, quase literalmente uma ponta amarrada na outra ponta da tenda. Tal situação convida a fazermos os seguintes questionamentos:
- Como manter uma distância mínima de 1 metro e evitar aproximação?
- Como lavar as mãos até o cotovelo, o rosto, a roupa sempre que necessário, sem água para beber e sem a possibilidade de higienizar com álcool?
- Como deixar os sapatos fora da tenda? (isto se alguém tiver o que calçar)
- Como usar máscaras e luvas?
- Onde acudir se tiver todos os sintomas agudos da doença?
- Como se alimentar adequadamente num centro caracterizado pela escassez de comida?
- Como fazer o teste rápido ou aquele de maior precisão?
- Como cuidar das doenças pré-existentes?
Todas estas perguntas não foram devidamente contempladas na pauta das grandes nações que pensam o mundo tendo como eixo principal a manutenção de hegemonias e/ou perpetuação no poder econômico e político, isto é, uma ordem mundial que contribui ao acirramento dos níveis de desigualdade mundialmente.
Tudo que foi dito nos instiga e nos comove! Por estes motivos, instamos as lideranças do governo e de grandes, pequenas e micro empresas a que considerem na sua pauta governamental e empresarial: Que ações emergenciais serão realizadas e como contribuir para que o mundo se torne menos desigual?
Para orientar suas escolhas, elencamos as seguintes indagações que não deixam de ser provocações para reflexões práticas.
Com relação às lideranças governamentais:
- Serão capazes de entender que as pessoas imigrantes e refugiadas contribuíram muito e continuam a contribuir para a economia e a reconstrução de nações?
- Quais fundos financeiros aplicarão para ajudar a criar condições seguras e serviços básicos para resguardar contra a pandemia imigrantes e refugiados e, assim, salvar vidas?
Em relação às lideranças empresariais:
- Será que nos processos de recrutamento e seleção essas pessoas imigrantes e refugiadas não podem contribuir para o desempenho empresarial a partir de uma perspectiva que reconheça as qualificações e competências que possuem?
- Será que, no cenário pós-COVID-19, as fragilidades econômicas tornarão as lideranças mais inclusivas e continuarão optando por não aproveitar as oportunidades de diversificar os talentos disponíveis na sociedade?
- Quais projetos de Negócios de Impacto Socioambientais você conhece e pode investir?
- Quais são as suas possibilidades para transformar essa desigualdade?
Talvez, ao concluir a leitura do artigo, possamos concluir que a pandemia “não é apenas o vírus”. A pandemia é política, social, econômica e ambiental.
Para finalizar, gostaríamos de concluir com um texto que resume bem o que pensamos a respeito da desigualdade social nas palavras de um escritor e ativista israelense, Amós Oz, quando afirmou: “precisamos finalmente começar a convencer o mundo de que a injustiça e a opressão são as grandes doenças da humanidade, e a Justiça, seu único remédio” (De Amor e Trevas, p.190)
Felicia Alejandrina Urbina Ponce e Verónica Gálvez Collado. Consultoras da Integra Diversidade.